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Era verão de 2004, poderia ser inverno, eu não me lembro, mas a sua chegada na casa amarela da esquina, na minha rua preferida do universo, encheu meu mundo de luz e calor. Você era o rapaz da moto vermelha, com bota de cowboy amarrada a cadarço que perguntou para a Leni quem era a menina de cabelo castanho ondulado que morava no quarteirão de baixo.
Recebi este questionamento com inocência de menina moça que ainda se via moleque, mas, com a curiosidade de vênus que já se projetava mulher na iminência dos 15 anos. Te desenhei em cadernos e agendas e fiz da janela da sala lá de casa a minha torre de Rapunzel, de onde via você chegar e sair todos os dias. E de onde faceira crescia, ano após ano, a expectativa de um aceno ou um sorriso torno.
Foi da mesma janela que tracei meu plano de ter você.
Foi de lá que pontuei sua rotina matutina para esquentar a moto antes de abrir o portão e cronometrei os segundos que levaria até eu descer as escadas correndo e me esbarrar despretensiosamente com você pela vida.
No início, você era meu motivo para despertar mais cedo, ou para sair mais tarde. Meu motivo para ir embora para a casa sorrindo - enrolar passarinhos antes de abrir o portão. No início eram só sustos, coração palpitante por objetivo alcançado, mas, com o tempo passamos a ser o bom dia um do outro, sorrisos, um tique nervoso de conversa séria, caronas, mesmo que o destino não fosse o mesmo, ciúmes, convites para um vinho, apertos de mão, abraços e beijos.
Sempre achei que esta lista aumentaria até planos, casamento e filhos. Mesmo quando você aparecia com outra namorada loira de olhos azuis. Compraríamos o lote na frente da casa dos seus pais e você me resgataria de volta para o mundo onde fui tão feliz e tudo era possível. Mas, nunca nos permitimos ser um do outro. Talvez seu encanto por mim tenha se perdido depois de tantos “não posso”; ainda que eu tenha ligado para você arrependida em um dia de outono te pedindo para me encontrar no pátio da faculdade ou de ter batido na porta da sua casa para te contar que eu tinha tirado carteira de motorista.
Foram tantos anos de pertencimento a história um do outro. Jamais saberei se em algum momento seu coração me tirou do papel de coadjuvante, mas, o meu sempre teve você como príncipe encantado. Nem sempre o protagonista, mas, sempre aquele que estaria ali, por mim, até o fim. Tive tantos amores, alguns até namorados, mas, a cada ponto final, a certeza de que a pessoa certa ainda estava esperando por mim.
Foi com essa certeza de espera que ganhei o mundo sem me despedi de você. Desenhei nosso reencontro várias vezes na minha imaginação, mas, me recusei ver você mesmo com data marcada e lugar agendado. Não me sentia pronta para o momento que mudaria a minha vida. Eu queria que fosse perfeito para você tanto quanto seria para mim, para que nunca mais houvessem desencontros, e outros amores nas nossas vidas. Adiei mais de uma vez. Vim bater as asas e buscar outros sonhos, com a expectativa de que na hora certa a vida te traria de volta para mim.
Esta semana eu sonhei com você.
Há dois meses um buraco se abriu no meu peito e parte da minha história se desmoronou com a sua partida. Entrar em um avião para me despedir de você, o que não fiz quando me mudei há 2 anos, passou a fazer parte da minha obsessão diária. Ainda que eu não consiga compartilhar com você mais o mesmo céu, a necessidade de encerrar este ciclo, me despedir de você, como não fiz, ainda que você tenha pedido, passou a ser essencial para que eu pudesse seguir em frente.
Me perdoa por dizer mais uma vez “eu não posso”. E por desmarcar, de novo, nosso encontro agendado. Me perdoa? Me perdoa por ter sido covarde e por ter adiado a nossa história tantas vezes. A culpa que carrego só não é maior que a dor de saber que nunca mais vou cruzar com você “sem querer” nos caminhos da minha vida e apreciar a gentileza de menino educado que sempre parava o carro para saber como eu estava e alegrar meu dia.
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Está cada vez mais escuro lá fora. A luz no hemisfério norte não se sustenta depois das 4hs da tarde. Eu poderia levantar e fechar a cortina, mas, a deixo aberta. Olho sobre o ombro e vejo algumas casas com chaminés trimulantes. Deve ser a lareira ligada. Está frio aqui dentro. Fecho os olhos e, ainda cerrando-os, olho de novo pela janela. Uma caminhonete verde musgo acabou de estacionar. Tenho 10 segundos para chegar no portão. Me espera?
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