quarta-feira, 9 de setembro de 2020

 

Hoje o dia amanheceu com uma coloração diferente para uma manhã de outono Europeu. Já eram quase oito da manhã quando remexidamente me rendi ao chamar da vida batendo na janela em formas de raios de sol. Meus dias de folga tem sido longos, mas, nem sempre produtivos; haja vista que tenho me entregado mais às desculpas de todo o esforço que faço em dias úteis e me iludo na incerteza de que sou merecedora de dias inúteis. No entanto, a culpa que carrego no final do dia é maior que qualquer alegria que a procrastinação tenha me dado. Não se vem à Europa para dormir, não é mesmo? Ainda que esteja chovendo e a sensação térmica esteja de 10 graus lá fora no auge do verão. Permissão para um parêntese, leitor: (foi com tudo isso que sonhei por anos e achava que este era o cenário perfeito para a inspiração de todos os livros que eu escreveria. Quem não escreveria um livro com o diário no colo, no canto da sala em meia luz, recebendo o calor da lareira e ouvindo a chuva cair lá fora? No meu auge de celebre imaginário iniciei três).

Café sem pressa para despertar a mente, algumas pílulas para melhorar o metabolismo e uma volta de bike, no parque ao lado, para despertar o corpo. O sol era suficientemente raro para me permitir este momento sem blusas de frio. Saí sem expectativas para apreciar um momento único. Faz alguns meses, leitor, que me descobri ciclista. E faço um parêntese sem permissão: (momentos circunstanciais em que me transporto para um cenário hollywoodiano e me permito viver esse glamour que é andar de bicicleta em ruas e parques europeus). O vento no rosto e a sensação de vida vale mais que um parêntese, me cobrem no próximo livro.

Era sol; tinha um parque e uma bike e as pessoas cumpriam a sua rotina apressada em uma manhã de dia útil. Mas a nossa protagonista estava em dia off. Pensamentos em coisas inúteis. Culpa por procrastinações. Foco na serotonina e na produtividade criativa que momentos de vento no rosto proporcionam. A inspiração para uma short story sendo embalada pelo despertar do passaredo. Corta para a parte importante.

Foi em uma das descidas do Phoenix Parque que meus olhos cruzaram com o seu sorriso. Você vinha na contramão da ciclovia alegre com todo o esforço exigido na subida, enquanto eu ainda respirava o alivio de soltar os pedais. Cabelos grisalhos, anos avançados. Roupas de quem tem uma vida ativa, mas, não próprias para o pedal. Bicicleta simples e sem marcha e uma cesta de frutas (ou de flores) na frente. Se a gente tivesse em Hollywood poderia ser um recorte de viagem no tempo ou um desses recursos que filmes motivacionais utilizam para nos fazer pensar. Mas, estamos em Dublin e era apenas uma senhora em sua boa e velha idade, ativamente saudável fazendo seus exercícios matinais.

Continuei meu caminho desconcertada e o flash daquele momento me vinha a mente insistentemente recorrente.

Não preciso de telas de cinema, de diretores de hollywood ou de produções com recortes para fazer as minhas próprias projeções de finais felizes. Para mim não ficaram dúvidas de que me vi na volta da vida. E não é porque estarei pedalando aos 70. Mas, é porque nada faz mais sentido do que a materialização das suas próprias reflexões em um dejavu ao avesso.

A menina que fui tem muito orgulho da mulher que sou e acho que até se surpreende de onde estamos. A mulher que sou percebe quão pequena ainda somos e quão longe ainda podemos ir e a mulher que serei daqui 50 anos estará sorrindo com esforço leve de quem sempre teve o guidão dos sonhos nas mãos e nunca os deixou cair.

Eu só quero ter orgulho da minha história quando os créditos subirem.

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