domingo, 20 de dezembro de 2020

Escrita terapêutica

Quando há dois anos eu decidi deixar um emprego sólido para buscar um sonho, muitos questionaram esta decisão e disseram que eu não podia estar em perfeito juízo. Eu planejava o intercambio há aproximadamente 10 meses, pagava mensalmente as parcelas e comprava coisas pontuais pensando já no frio europeu; me mudei de um apartamento de dois quartos e enormes cômodos para uma kitnet e vendi o carro. 6 meses andando a pé e fazendo do quarda-roupa uma divisão inteligente entre o quarto e a sala. Meu gato se acostumou ao pouco espaço e as telas na janela que coloquei para evitar uma queda-fatal aos poucos foram se tornando minhas próprias amarras e sufoco. 

Não consegui cumprir o planejado. Em um golpe de súplica, senti a covardia tomar conta dos meus atos e cegar meus pensamentos. Impulso catastrófico que alguém dá quando se está no fundo do poço. 

8 Anos de trabalho árduo em uma única empresa. Empresa que me acolheu menina e que me concedeu tantos frutos. Trono de ferro para quem acabou de sair das fraudas e goles de maturidade sendo enfiados goela a baixo junto com ansiolíticos e remédios para induzir ao sono. 

Esses últimos se tornaram meus favoritos. Companheiros de finais de semanas longos que, a solidão, desejam breves. Um sono único era conforto ideal após uma semana inteira de resultados incrivelmente bons, mas, profundamente vazios. Sono profundo e contínuo até a manhã de uma segunda-feira  embebida a cafeína, para bater mais metas e metas outra vez. 

Semanas de glória em meu trabalho perfeito e finais de semana de sono em meu redento perfeito. 

Meses e meses de pequenas automutilações. Até que o reflexo da alma foi visto no espelho. Um lado inteiro imóvel. Uma boca que não mais sorria e um olho que não mais se fechava. Um grito de misericórdia da alma que não mais era respeitada e de um espírito que não mais se reconhecia. 

Reforço para a decisão já tomada. Falsa fortaleza não mais necessária. Lágrimas pingadas doídas de uma mulher que não chora.

...

Faz alguns dias que estou prostrada na cama. Presa do outro lado do mundo por um vírus chinês. Ansiando a normalidade da vida para realizar o que me propus e reinventando um novo jeito de me olhar no espelho. 

Meu país das maravilhas está lá fora, quando deveria estar aqui dentro. Mas, 6 anos de terapia ainda não me fizeram enxergar o contrário. 

Frustração crescente, dor insuportavelmente inexplicável. Inveja delirante de quem por um momento acreditou que tivesse controle sobre a vida. Espera por um milagre divino de quem nega todos dias sua própria responsabilidade.

Angustias me imobilizam feito algemas atadas a cama, e o desejo do meu companheiro em doses homeopáticas só aumentam. Quem dera pudéssemos viver os sonhos ao invés de sonhar e viver... 

Controlo o impulso de não me lançar de volta a superfície, já que aprendi que o fundo do poço é confortável demais quando comparado aos leões e hienas que se ouvem lá em cima. Desta vez não há cordas lançadas, nem plano de redenção ou desculpas convincentes. Denta fez só há a certeza de quem tentou e falhou e a sombra do fracasso que me abraça como quem me consola e gargalha transpassando-me a lança no peito.


Marina 

Dublin, Ireland. 

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