sábado, 17 de setembro de 2011

Da minha fuga e do meu desejo

Ela estava sentada no canto esquerdo, no fundo da sala escura a admirar  a lareira mais adiante. O fogo ardia dolorosamente tentando irradiar calor e deixar o local mais aconchegante. Ela se enrolou em si mesma buscando uma posição confortável. Passou os braços pelos joelhos, puxou a colcha para cima dos ombros e ficou a observar o fogo. Ele flamejava como se fosse o ser mais importante do universo, como se fosse o início e o fim de tudo – e soubesse disso. A lenha havia sido colocada há bastante tempo, mas as chamas ainda eram fortes e onipotentes.
Ela se espremeu ainda mais contra a parede buscando calor. Sentiu suas costas baterem no concreto em estado de congelamento e se encolheu como um aracnídeo perto da morte. Fechou os olhos com dor, mas se recusou a ir em frente. Espremeu-se ali o máximo que pode, até ficar totalmente encoberta pela escuridão da sala. Enrolou-se na colcha como se fizesse um casulo. Sentiu-se protegida. Tendo apenas os olhos a mostra, voltou a admirar o fogo.
Logo, logo sentiu a comodidade que a segurança trazia, esqueceu-se do fogo, que agora soltava labaredas azuis e quase alcançava o topo da lareira, e adormeceu.
Teve sonhos tumultuados. Sonhou que caminhava por uma gigantesca estrada sem fim e sem pessoas, onde as laterais pareciam abismos e onde todas as bifurcações – ou atalhos para o nada – levam-na até um colossal labirinto de fogo. Não teve medo. Quando se viu diante de algo tão grandioso e sublime foi tomada por um enorme contentamento. Teve vontade de se atirar às chamas e se entregar  ao brilho e ao calor que dali emanava. Colocou nas chamas, em primeiro momento, as mãos; ao sentiu algo gostoso percorrer seus dedos, colocou os pés, as pernas, os lábios e o corpo inteiro. Sentiu-se fogo, como se a partir daquele momento fossem um único ser. Seus sentimentos vacilaram e foram se transformando a medida que o fogo ia rompendo a pele e dominando seu íntimo. Sentiu primeiro, exultação, depois confiança. Talvez algo parecido com fervor, e por último – antes do fim – sentiu amor.
Nunca se sentira tão feliz e tão amada. Pensou que o dominaria. Não havia mais ninguém ali, e o fogo, de agora e em diante, seria só dela.
Porém, antes que pudesse repetir este pensamento, algo aconteceu. As coisas já não eram mais tão seguras quanto antes; sentiu o fogo condensar e começar a queimar seu corpo. Já não havia mais pés nem mãos, o seu peito ardia flamejante e a fumaça começou a sufocá-la. Lutou para sair dali, mas estava tão envolvida pelas chamas que todo esforço foi em vão.
Minutos depois, despedaçada em pó e cinzas, perdeu os sentidos.

Acordou de volta na sala escura debatendo-se contra o chão, retirando as colchas em busca de ar. Estava tendo este pesadelo de forma tão freqüente que nem se sentiu aliviada ao se perceber ali. Sem demoras voltou-se ao trabalho de se manter aquecida.
Viu-se ali, presa e sem saída. A sala não tinha portas, nem janelas. Não havia nada ali a não ser ela, a lareira, a escuridão e o medo. Permaneceu trancada naquele mundo  por meses, talvez anos. O inverno se tornava cada vez mais rigoroso e apenas os trapos velhos que a cobriam já não a mantinham mais aquecida... Então, lutou contra a definição que fizera antes, teve uma briga ferrenha com seu orgulho e teve que decidir entre a vida afortunada e a morte gradativa e inevitável.
Libertou-se do seu casulo e da sua fortaleza, retirou as armaduras e abriu o peito; ergueu a cabeça e foi adiante. Um pé de cada vez, uma superação de cada vez, até que chegou ao pé da lareira. Ao sentir o calor, percebeu seu coração se inquietar e uma aconchegante onda percorrer seu corpo. Hesitou por um momento, ainda na dúvida, decidiu dar mais um passo. Sentiu-se salva. Mesmo diante do perigo sentiu-se protegida. Entendeu, finalmente, que o fogo estaria sempre ali, numa materialização de abrigo: das coisas, do cheiro e do abraço.  Jurou não se aproximar demais, nem tentar dominá-lo. O deixaria livre, alimentaria as chamas e não fugiria dele. Nunca mais!

- Marina   
pra combinar com a inspiração: 


Um comentário:

  1. Amiga amei todas as postagens , essa em especial me tocou, não sei o motivo ainda mais estou afim de descobrir(kkk)Lindaaa "Minutos depois, despedaçada em pó e cinzas, perdeu os sentidos" muitoo bom Lindo "Libertou-se do seu casulo e da sua fortaleza, retirou as armaduras e abriu o peito;)" Precisamos caminhar e encontrar o nosso caminho, nê Amiga! e nada melhor do que nos libertAR das amarras da vida ... sair da fortaleza protegida e encarar a vida e os desafios de frente... e ver que nem sempre as coisas dão certo ... Parabéns pelo blog ameiiii ;)
    bjimm

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