Ela já não é mais a mesma, e
faz uns anos que venho observando isso. Tinha um quê de amor agora no peito.
Faz dias eu a vi chorando por ter fechado a porta e não conseguir abri-la.
Ela vê tanta gente passar.
Lá vem
a bailarina. Olha lá como é bela e desenvolta, parece pluma. A porta se abriu
com tapete vermelho e ladrilhos. A Bailarina passou e a porta se fechou.
Teve um dia que ficou de espreita
na beira da porta que eu vi. Tentou pegar o resquício de brisa que soprava do
lado de lá. Sentiu o cabelo se mexer apenas. Já se alegrou.
Outro dia tentou se esconder
atrás da Margarida, filha linda do serralheiro que vinha vindo de vestido
rodado. Mas, Margarida passou em um passo só. E a porta se fechou depressa.
Um dia desses, bem me lembro. Quando
chegou, a bela morena já havia passado. A porta estava a se fechar, quando o sol
piscou pra ela pela fresta entreaberta e sorriu. Este dia foi só mais um que ela se atrasou e perdeu a hora.
Me parte coração ver esta flor
assim. Mas tem hora que me pergunto se é castigo. A porta já se abriu tantas
vezes pra ela e ela bailou serelepe sorrindo se recusando a entrar. Sou nova
demais, dizia. Não conheci o mundo inteiro ainda, ela me disse uma vez no meio
de uma gargalhada gostosa.
Bateu a porta tantas vezes. Ignorou. Recusou.
Brincou com quem lhe esperava lá do outro lado e foi conhecer o mundo e virar
gente importante, igual ela dizia que queria ser.
Continuou fechando portas no
caminho.
Agora, quando eu a vejo aí sentada
esperando a vez dela chegar, me dói a alma. Me dói porque vejo que ela se
cansa, levanta e vai pro mundo outra vez. A vida dela é voar. E quando ela sai
com esse espírito livre lá fora, ela sai de coração fechado, para fechar mais e
mais portas outra vez.
Nina
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