domingo, 6 de novembro de 2011


"Uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço....

[...]


Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender."

Para uma avenca partindo - Caio F. Abreu

Um dia desses, eu brinquei, sentada em uma mesa bar, que eu me parecia muito com os poetas antigos. Não na grandeza no labor com as palavras, mas nas dimensões do amor que eles sentiam. É sério, há textos que são extremamente catárticos pra mim, e  as vezes eu sinto que foram escritos para que eu lesse; ou que foram escritos em situações exatamente idênticas as que eu vivo. Mas, ainda que estranho nesse contexto atual de modernidade superficial, eu gosto desta história de amar demais. Dessa história de amar profundo. Não gosto de amar na superfície, de colocar só o pé na lama. Se é pra me lambuzar, eu me lambuzo por inteiro. E me alegro por inteiro ou morro de tristeza por inteiro. Não gosto de nada que seja pela metade: beijo pela metade, abraço pela metade, sorriso pela metade. Faz assim?! Se for pra sorrir, mostre os dentes. Se for pra abraçar, abraçe apertado. Se for pra beijar, beije demoramente. Gosto muito de um trecho da música da Vanessa da Mata que diz: "quero beijos intermináveis até que os meus olhos mudem de cor".. eu acho que é por aí. É extremo!! O complicado de se viver assim é que sempre se está a beira do risco. Você pode ter a sorte de também ser amada demais e aí sentir que tudo vai dar certo, ou então você pode amar demais, querer demais, sonhar demais, e nunca encontrar alguém que esteja disposto a ser tão demais, quanto você gostaria que fosse. O complicado de se viver assim, é sempre ter menos do que aquilo que se procura, e acabar tendo que se contetar com aquilo que vier.

- Marina
Adoro Caio Fernando Abreu !! =)


Um comentário:

  1. Ah, ele é simplesmente fantástico! Tenho uma pasta só com textos e frases dele! :)

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