Ele continuava preso lá no alto.
Inatingível. Ela sacudia o pé da estante com toda a força que detinha e orava
em silêncio pedindo que ele despencasse de lá.
Parece que foi ontem que, da
janela, ela o viu chegar. O caminhão estacionou do outro lado da praça e
gastaram dois homens fortes para retirar a caixa lá de dentro e levar para o
interior da loja. A caixa era enorme, feita com um mogno branco desnecessário
para esconder um brinquedo. Embora a Brincarte
fosse a maior loja de brinquedos da cidade e não existisse nada mais comum do
que receber novas remessas ao longo do mês, ela ficou atônita com o que viu. A
maioria dos brinquedos chegavam em embalagens comuns, alguns deles nem vinham
embalados e ela adorava ficar na janela a espiar quais eram as novidades que
desembarcavam; enamorava-os um a um e mergulhava em uma difícil tarefa de
escolher qual gostaria de ganhar, naquele ano, de Natal.
Nem sempre ganhava aquilo que
pedia. Mas, tinha o dom de, com jeitinho, conseguir a maioria das coisas; Já tinha ganhado bonecas de todas as cores,
pelúcias de todas as formas e tamanhos, mas o que ela mais gostara, de todos,
sem comparação, fora um carrossel que ganhara de presente de aniversário depois
de uma luta para fazer por merecê-lo. Ele era bem grande, e muito luxuoso.
Tinha cavalos coloridos e girava sem parar, tocava uma música gostosa de ouvir que a colocava para ninar todas as noites. Seus
olhos de menina, sonolentos e semicerrados, admirava-o, antes de se fecharem
definitivamente. As luzes e o brilho que vinha daquele objeto animado em cima
da escrivaninha, fazia com que ela, gloriosa, se sentisse a dona do mundo!
Mas agora, sem carrossel, ela queria
aquele que estava lá no alto em cima da estante. Lhe disseram que não era a
hora ainda, que ela tinha que ser paciente, faltavam dois meses ainda para a
Natal...
Mas ela queria ele! Com pressa...
agora! Só que ele continuava preso lá no alto. Inatingível. Ela sacudia o pé da
estante com toda a força que detinha e orava em silêncio pedindo que ele
despencasse de lá e caísse em seus braços.
...
Até que um dia perdeu a graça,
ela deu uma bicuda no pé da estante, ele despencou de lá e se espatifou em mil
pedaços.
(melhor final para uma história
sem começo)
... Por que disseram que era
dela, sendo que ela não podia tê-lo?
Marina