As primeiras luzes do dia começavam a
brotar lá fora. A escuridão, pouco a pouco, ia cedendo o lugar aos primeiros
raios de Sol que já se espreguiçavam por detrás dos montes ao longe. Ela ainda
estava sentada a beira da janela. Olhando por entre as vidraças, admirava as
casas ainda de pé com uma sensação de alívio no peito.
Os ventos haviam sido fortes. Alguns deles
foram previstos, mas outros não deram tempo de anunciar. Parece que foi ontem
que veio a notícia; ela ainda estava se aconchegando diante do sossego que a
comodidade trazia, quando anunciaram por toda a cidade que eles chegariam em
breve. Não deu tempo de se esconder... as paredes começaram a tremer e
paulatinamente as luzes foram se apagando. De repente, aquilo que era
calmo, tranquilo e lindo foi engolido por uma penumbra de dar medo. Ela sentiu
frio, mas, não teve muita escolha, sabia que precisava ser forte para manter-se
viva. Ficou de pé e, rígida, enfrentou todos eles um a um.
Os primeiros, apesar da força, foram
amenos e ela desvencilhou-se deles. Os outros, porém, vieram bravios;
chicoteavam contra as pilastras da casa e faziam com que tudo tremesse. Um dos
seus quatro alicerces começou a ceder, os solavancos do vento faziam com que
ele vacilasse cada vez mais, ela desesperou-se. “Não, agora não!” pensou.
Correu até ele, tentou segurar. Mas já era tarde de mais, bastou que o vento
urrasse de novo e que uma leve brisa lhe pesasse o ombro para que ele
desmoronasse. Frente aos destroços dele diante de si, ela se fez pó.
Reerguer-se manca seria impossível.
Os ventos continuavam gritando lá fora.
Impertinentes, arremessavam-se contra os outros três alicerces que ainda
estavam ali. Ela teve medo. Quis se esconder, assim como fazem as crianças
diante de problemas que não sabem resolver. Talvez debaixo da cama fosse o
melhor lugar e sairia dali só quando tudo estive calmo e tranquilo de novo.
Porém, apesar do cansaço, sabia que, para que aquele telhado não lhe
caísse sobre a cabeça e para que não fosse esmagada e engolida por aquele
inferno que se formava, ela não podia deixar que os outros pilares
desabassem – faculdade, emprego e família – e que precisava de força para se
postar erguida novamente...
Agora que tudo passou, que os ventos nada
mais são que assovios nas soleiras das portas, a sensação que ela tem é de que
venceu, sobreviveu talvez, àquilo tudo.
Olhando pela janela, ela podia ver que a
maioria das casas estavam de pé, que a maioria das coisas ainda estavam nos
mesmos lugares e que não seria muito
complicado recomeçar de novo.
Ela se virou e com lágrimas cadentes nos
olhos se permitiu olhar a pilastra agora em pó a sua frente. Sentiu-se fraca e
impotente. Como pode não conseguir segurá-la? Uma sensação de incapacidade e
frustração tomara-lhe a alma. “Talvez eu não seja lá tão boa pra isso” pensou. “Tenho
um pouco de cola, corda e estacadas de madeira lá na despensa” - remoeu por um
momento - “talvez eu possa consertar!” Encheu-se de uma esperança equilibrista
que vacilou por horas a procura de uma solução para aquela deficiência que ela
mesma causara. Até que, esgotada de
culpa, enfim, percebeu que segurara o que conseguira segurar, que salvara
aquilo que deu tempo, que fez o que pode, mas que tinham coisas que, agora, já não
estavam mais em suas mãos.
Levantou, e manca, foi até a porta que dava
para o jardim, sentou-se sobre a soleira e lhe permitiu admirar as flores, o
tempo passou sem que ela percebesse e num picar de olhos, sem que se desse conta,
adormeceu. Tudo estava calmo agora, ainda que não tenha conseguido reparar
todas as rachaduras a tempo, ainda que tenha deixado um pedaço desabar, mas ela
ainda estava ali, com pequenos cortes e cicatrizes, mas inteira.