terça-feira, 22 de outubro de 2013


Ele continuava preso lá no alto. Inatingível. Ela sacudia o pé da estante com toda a força que detinha e orava em silêncio pedindo que ele despencasse de lá.

Parece que foi ontem que, da janela, ela o viu chegar. O caminhão estacionou do outro lado da praça e gastaram dois homens fortes para retirar a caixa lá de dentro e levar para o interior da loja. A caixa era enorme, feita com um mogno branco desnecessário para esconder um brinquedo. Embora a Brincarte fosse a maior loja de brinquedos da cidade e não existisse nada mais comum do que receber novas remessas ao longo do mês, ela ficou atônita com o que viu. A maioria dos brinquedos chegavam em embalagens comuns, alguns deles nem vinham embalados e ela adorava ficar na janela a espiar quais eram as novidades que desembarcavam; enamorava-os um a um e mergulhava em uma difícil tarefa de escolher qual gostaria de ganhar, naquele ano, de Natal.

Nem sempre ganhava aquilo que pedia. Mas, tinha o dom de, com jeitinho, conseguir a maioria das coisas;  Já tinha ganhado bonecas de todas as cores, pelúcias de todas as formas e tamanhos, mas o que ela mais gostara, de todos, sem comparação, fora um carrossel que ganhara de presente de aniversário depois de uma luta para fazer por merecê-lo. Ele era bem grande, e muito luxuoso. Tinha cavalos coloridos e girava sem parar, tocava uma música gostosa de ouvir  que a colocava para ninar todas as noites. Seus olhos de menina, sonolentos e semicerrados, admirava-o, antes de se fecharem definitivamente. As luzes e o brilho que vinha daquele objeto animado em cima da escrivaninha, fazia com que ela, gloriosa, se sentisse a dona do mundo!

Mas agora, sem carrossel, ela queria aquele que estava lá no alto em cima da estante. Lhe disseram que não era a hora ainda, que ela tinha que ser paciente, faltavam dois meses ainda para a Natal...

Mas ela queria ele! Com pressa... agora! Só que ele continuava preso lá no alto. Inatingível. Ela sacudia o pé da estante com toda a força que detinha e orava em silêncio pedindo que ele despencasse de lá e caísse em seus braços.

 
...
Até que um dia perdeu a graça, ela deu uma bicuda no pé da estante, ele despencou de lá e se espatifou em mil pedaços.
                       (melhor final para uma história sem começo)



... Por que disseram que era dela, sendo que ela não podia tê-lo?

Marina


quarta-feira, 31 de julho de 2013

Feel!

Algumas coisas foram feitas para durarem uma noite, outras para serem passageiras e outras ainda para durarem a vida inteira. Felizes aqueles que, distinguindo-as, sabem deliciar-se com cada uma delas. Você não sabe o tempo que tem. Viva!


Marina

terça-feira, 9 de julho de 2013

As primeiras luzes do dia começavam a brotar lá fora. A escuridão, pouco a pouco, ia cedendo o lugar aos primeiros raios de Sol que já se espreguiçavam por detrás dos montes ao longe. Ela ainda estava sentada a beira da janela. Olhando por entre as vidraças, admirava as casas ainda de pé com uma sensação de alívio no peito.

Os ventos haviam sido fortes. Alguns deles foram previstos, mas outros não deram tempo de anunciar. Parece que foi ontem que veio a notícia; ela ainda estava se aconchegando diante do sossego que a comodidade trazia, quando anunciaram por toda a cidade que eles chegariam em breve. Não deu tempo de se esconder... as paredes começaram a tremer e paulatinamente as luzes  foram se apagando. De repente, aquilo que era calmo, tranquilo e lindo foi engolido por uma penumbra de dar medo. Ela sentiu frio, mas, não teve muita escolha, sabia que precisava ser forte para manter-se viva. Ficou de pé e, rígida, enfrentou todos eles um a um.  

Os primeiros, apesar da força, foram amenos e ela desvencilhou-se deles. Os outros, porém, vieram bravios; chicoteavam contra as pilastras da casa e faziam com que tudo tremesse. Um dos seus quatro alicerces começou a ceder, os solavancos do vento faziam com que ele vacilasse cada vez mais, ela desesperou-se. “Não, agora não!” pensou. Correu até ele, tentou segurar. Mas já era tarde de mais, bastou que o vento urrasse de novo e que uma leve brisa lhe pesasse o ombro para que ele desmoronasse. Frente aos destroços dele diante de si, ela se fez pó. Reerguer-se manca seria impossível.

Os ventos continuavam gritando lá fora. Impertinentes, arremessavam-se contra os outros três alicerces que ainda estavam ali. Ela teve medo. Quis se esconder, assim como fazem as crianças diante de problemas que não sabem resolver. Talvez debaixo da cama fosse o melhor lugar e sairia dali só quando tudo estive calmo e tranquilo de novo.  Porém, apesar do cansaço, sabia que, para que aquele telhado não lhe caísse sobre a cabeça e para que não fosse esmagada e engolida por aquele inferno que se formava, ela não podia deixar que os outros pilares desabassem – faculdade, emprego e família – e que precisava de força para se postar erguida novamente...

Agora que tudo passou, que os ventos nada mais são que assovios nas soleiras das portas, a sensação que ela tem é de que venceu, sobreviveu talvez, àquilo tudo.

Olhando pela janela, ela podia ver que a maioria das casas estavam de pé, que a maioria das coisas ainda estavam nos mesmos lugares e  que não seria muito complicado recomeçar de novo.

Ela se virou e com lágrimas cadentes nos olhos se permitiu olhar a pilastra agora em pó a sua frente. Sentiu-se fraca e impotente. Como pode não conseguir segurá-la? Uma sensação de incapacidade e frustração tomara-lhe a alma. “Talvez eu não seja lá tão boa pra isso” pensou. “Tenho um pouco de cola, corda e estacadas de madeira lá na despensa” - remoeu por um momento - “talvez eu possa consertar!” Encheu-se de uma esperança equilibrista que vacilou por horas a procura de uma solução para aquela deficiência que ela mesma causara.  Até que, esgotada de culpa, enfim, percebeu que segurara o que conseguira segurar, que salvara aquilo que deu tempo, que fez o que pode, mas que tinham coisas que, agora, já não estavam mais em suas mãos.

Levantou, e manca, foi até a porta que dava para o jardim, sentou-se sobre a soleira e lhe permitiu admirar as flores, o tempo passou sem que ela percebesse e num picar de olhos, sem que se desse conta, adormeceu. Tudo estava calmo agora, ainda que não tenha conseguido reparar todas as rachaduras a tempo, ainda que tenha deixado um pedaço desabar, mas ela ainda estava ali, com pequenos cortes e cicatrizes, mas inteira. 



- Marina



sexta-feira, 29 de março de 2013

Vida nova em 3,2,1...


Sabe aquele momento – que sempre chega -  em que é necessário escolher se jogar na vida ou ficar parado, à beira do caminho, vendo ela passar?!
Vira e meche a gente tem que fazer escolhas, algumas são certeiras e a gente sabe exatamente por que está ali para fazê-la, porém, há outras que você não faz a mínima ideia de onde elas poderão te levar.
Pode ser que essa seja aquela escolha que você esteve a vida toda esperando para fazer, mas, pode ser que essa seja apenas mais uma, que você tem que fazer, para que possa ir além. Como degraus que você tem que subir um a um para te levar onde deseja. Não importa qual destas seja ela, o que importa é que é necessário fazê-la se quiser ir a diante, sem medo!
Toda escolha acarreta sacrifício, acarreta perdas, acarreta renuncias, mas quando se sabe exatamente aonde se quer chegar não há obstáculos, não há cara feia, não há nada que tenha força o bastante para se fazer desistir. Sempre chega aquele momento em que a gente sabe que vai precisar ter coragem. Aquele momento em que a gente veste a armadura e sente que está pronto pra guerra; e sabe que não importa quantas serão as batalhas, vai valer a pena!