O dia era claro e azul, o sol entrou sorrateiro pela fresta da janela e a despertou de um sono confuso. Ela abriu os olhos e hesitou antes de levantar. Repassou mentalmente os afazeres diários e relembrou os acontecimentos do dia anterior. Enroscou-se nas cobertas e virou-se para o canto, numa recusa da realidade. Ficou nessa posição por apenas dois minutos antes de ser brutalmente erguida pela culpa.
Agiu como se tudo fosse natural e perfeito. Ignorou a dor e a guerra que há dias assolava o seu íntimo. Fez de conta que era normal, fez de conta que era feliz...
Ignorou sua vontade de correr, nadar oceanos inteiros, atravessar desertos e montanhas. Ignorou sua vontade de gritar, sorrir, chorar, matar e morrer.
Ignorou o que sentia, fez de conta que não se importava, fez de conta que agüentava, fez de conta que não amava...
Mais tarde eles se encontraram, em um dos tantos lugares acostumados. Seus olhos se buscaram, seus braços se envolveram e suas bocas se tocaram. Nada foi dito.
Tem sido assim todas as noites: o mesmo ser completo seguido do mesmo amargo e triste vazio...
- Ela sente que eles se compreendem, ainda que sem palavras.
Ela gosta de aventura. Ele gosta dela.
Ela o ama. Ele jamais será dela...
Ela chora por dentro.
Ele sorri da boca pra fora.
Eles se olharam nos olhos, compreenderam o drama e ignoraram os fatos.
Amanhã pode ser que não se vejam mais e tentem buscar em outro caminho a formula da felicidade. E eles encontrarão; em outros olhos, outras bocas e outros braços. Mas sempre haverá um pequeno buraco no peito reservado para aquela compreensão singular e para aquele sentimento indecifrável.
Diante dessa certeza eles se olharam nos olhos pela última vez. Fizeram juras de amor e se beijaram. Deram-se as costas e foram embora.
- Marina
